06/07/10

Equinócios meus e teus



Parte I

Vida em branco, manchada pelas impressões digitais de alguém que partiu. Tinha sonhos maiores que um arranha-céus mas vivia escondida na sua sombra. Numa tentativa de regresso à Terra debrucei-me sobre a solidão e deixei-me cair. Quando a queda é maior do que o dia, nunca mais conseguimos avistar a realidade, ficamos ali, presos na inércia da cidade à espera de que alguma rua se abra para nós vir salvar.

Não vejo nada. A dormência percorre-me as mãos. A febre atravessa-me as ideias. A tristeza corre-me pelo sangue. Estou viva - ouço alguém dizer – já que me abandonei há tanto tempo. Não sei como cheguei aqui. Não sei se a culpa foi do relógio 5 minutos adiantado ou do atalho. Ignoro se permanecerei aqui muito tempo, não tenciono voltar. Mas ouço vozes. Muitas vozes.

Abro os olhos, consigo respirar o frio da noite. Parece que finalmente estou definitivamente só, no chão onde me deixaste. Ainda é cedo para saber como me vou levantar mas muito tarde para saber que não consigo ser de outra maneira, senão sozinha.

Ana

Parte II

Queima. Arde. Esse teu vermelho, amarelo e azul. Faço esses sinais de fumo. Queimo. Ardo. Faço desintegrar recordações que hoje são profanas. Para que olhes de longe. Essa minha fogueira é tão alta, que a vejo de um sítio que não existe. Queimo mais recordações, em troca de futuras folhas, em branco ou sujas por nós, onde escrevemos de mãos dadas. Parto. Viajo. Num barco e quero percorrer todas as milhas possíveis para que não seja possível te esconderes. Diz me onde estás! Grito eu. Não porque te escondes. Mas porque não me encontras. O meu barco cada vez mais afunda-se. Comigo. Morro. Penso eu. Vejo o teu reflexo no mar. Onde essa saudade embarcou comigo. Não és tu. Mas és tu. A minha saudade é um desenho teu a preto e branco. A madeira incha-se de água e das minhas lágrimas. Onde estás? Penso eu. As rochas que vejo, são o teu coração de pedra. Aquela ilha que vi, és tu. A nossa solidão. Aquele sol amarelo és tu. Que foste luz em momentos que a minha sombra fugia de mim. Aquela montanha és tu. Que coberta de neve se transformou na imagem mais perfeita. Preciso de calor. Lembro-me dessa fogueira. Não se desintegraram essas memórias queimadas. São hoje ainda a minha saudade. Não quero naufragar. Dissipo-me. Queimo. Ardo. Morro. Cresço e parto. Sinto o meu corpo claustrofóbico a ganhar uma liberdade tão grande que nunca ninguém assistiu. É esta a melhor maneira de te procurar. Desapareceu o pânico. Sou cinza. Como aquela fogueira.


André

Sem comentários:

Enviar um comentário